Letras Interdisciplinar

Multidisciplinaridade - Cada um no seu quadrado
A multidisciplinaridade ocorre quando há mais de uma área de conhecimento em um determinando projeto ou propósito, mas cada uma destas disciplinas mantém seus métodos e teorias em perspectiva. Serve para resolver problemas imediatos e não possui foco na articulação e nos ganhos colaborativos.
É o que acontece comumente nas escolas seriadas brasileiras: se em História se estuda a história americana, na aula de Educação Física pode-se estudar os esportes praticados nos Estados Unidos que não são praticados no Brasil e em geografia a economia pós-Guerra Fria e seus impactos na economia americana - veja que não há relação entre as disciplinas.
Mais de uma disciplina; aparentemente, não tem relação uma com a outra; cada disciplina permanece com sua metodologia própria; não há um resultado integrado. Segundo Piaget, é quando a solução de um problema requer a obtenção de informações de uma ou mais ciências ou setores do conhecimento sem que as disciplinas evocadas sejam alteadas ou enriquecidas.
Multidisciplinaridade corresponde à abordagem de um mesmo assunto por várias disciplinas, sendo que cada disciplina tem como objetivo garantir o conteúdo disciplinar.

Interdisciplinaridade - Com o mesmo propósito
Neste caso, mais de uma disciplina se une em um projeto comum, com um planejamento que as relacione. Durante o processo, estas áreas trocam conhecimentos e enriquece ainda mais as possibilidades. Como resultado, há um novo saber, menos fragmentado e mais dinâmico. Esta visão dá significado à experiência escolar.
Um exemplo disso pode ser um projeto com tema sustentabilidade, aplicado sob a óptica interdisciplinar: na escola, o professor de matemática pode explorar as formas de reduzir o consumo doméstico energético, como uma pesquisa do consumo; o professor de ciência pode propor uma pesquisa sobre meios energéticos mais ecológicos; o professor de geografia pode abordar os impactos econômicos e sociais em um mundo com e sem as práticas sustentáveis, o professor de Língua Portuguesa pode ensinar a elaborar uma redação dissertativa-argumentativa sobre os conhecimentos aprendidos, discutindo exemplos, justificativas, citações, argumentos, etc. - tudo em um projeto construído em comum, com um propósito único.
Intercâmbio mútuo e interação de diversos conhecimentos de forma recíproca e coordenada; perspectiva metodológica comum a todos; integrar os resultados; permanecem os interesses próprios de cada disciplina, porém, buscam soluções dos seus próprios problemas através da articulação com as outras disciplinas.
Interdisciplinaridade é o trabalho coletivo entre diversas disciplinas com o objetivo de desenvolver vários conteúdos ao tratar do mesmo assunto. Assim, cada disciplina demonstra como a prática científica possibilita uma compreensão mais complexa de determinado assunto.

Transdisciplinaridade - Conhecimento sem fronteiras disciplinares
Há quem diga que a transdisciplinaridade é uma utopia. Mesmo assim, é defendida por muitos filósofos e pensadores, como Edgar Morin, por exemplo, que defendia um novo modo de pensar e conceber as práticas educativas, para além das disciplinas e do método cartesiano. O primeiro pensador a falar em transdisciplinaridade, no entanto, foi Jean Piaget (1896-1980).
Trata-se de um nível bem superior e complexo de integração contínua e ininterrupta dos conhecimentos tal como conhecemos hoje. Neste caso, não há mais disciplinas segmentadas, mas o propósito da vida e do conhecimento é a relação complexa dos diversos saberes sendo que nenhum é mais importante que o outro. É um processo dialógico onde as relações disciplinares não estão mais em foco, não são mais importantes.
Algumas escolas de orientação holística já propõem práticas transdisciplinares. Ainda é algo muito recente e inovador e há dificuldades conceituais para aplicar a transdisciplinaridade, por exemplo, nas escolas brasileiras, que são seriadas, segmentadas e com forte apelo tradicional, apesar de que muitas iniciativas interdisciplinares têm sido propostas nas últimas décadas.
Etapa superior a interdisciplinaridade; não atinge apenas as interações ou reciprocidades, mas situa essas relações no interior de um sistema total; interação global das várias ciências; inovador; não é possível separar as matérias.

Plurilinguismo e Literatura
Discurso de outrem da linguagem de outrem que serve para refratar a expressão das intenções do autor.
Bakhtin destaca as particularidades do plurilinguismo no romance humorístico,
salientando que ele pode introduzir "linguagens" ideológico-verbais multiformes, como a
de gêneros, profissões, grupos sociais, as linguagens orientadas e familiares (como
mexericos, tagarelices mundanas, etc.) e a linguagem representativa do discurso direto do autor. Com o emprego dessas "linguagens" também se constrói uma estilização paródica,
que são linguagens sócio-ideológicas, que podem representar a falsidade, a hipocrisia,
etc., por meio de uma linguagem autoritária, reacionária, condenada à morte ou à
substituição, criando uma perspectiva ideológico-verbal particular.
O segundo encontro do subgrupo de pesquisa da Teoria Bakhtiniana, ocorrido em 08/04/2013, sob a coordenação da Profª Sheila Grillo, teve como objeto de estudo e discussão a 3ª parte do ensaio O discurso no romance, de Mikhail Bakhtin.
A discussão tem início com a fala de Urbano pontuando, apoiado nas palavras de Faraco (2003) que, para o Círculo de Bakhtin, qualquer palavra (qualquer enunciado concreto) encontra o objeto a que se refere já recoberto de qualificações, envolto por uma atmosfera social de discursos, por uma espécie de aura heteroglótica. (Curiosamente, percebeu-se que heteroglossia, termo do inglês utilizado por Faraco para se referir à pluralidade discursiva, ao plurilinguismo bakhtiniano, não se encontra dicionarizado em português).
Nessa terceira parte do ensaio, intitulada O plurilinguismo no romance, vem à tona um dos conceitos mais significativos da teoria bakhtiniana: o plurilinguismo, definido por Bakhtin como "o discurso de outrem na linguagem de outrem" (2010, p. 127). Urbano propõe então que a discussão dessa unidade do ensaio, a partir de sua leitura, seja feita a partir de 3 partes que ele julgou fundamentais, e que poderiam ser assim divididas e subintituladas: 1) Análise dos procedimentos plurilinguísticos no romance humorístico, 2) Introdução e utilização estilística do plurilinguismo e 3) A bivocalidade do discurso literário.
1. A análise dos procedimentos plurilinguísticos no romance humorístico
Considerando a diversidade das linguagens do mundo e as variadas formas que o plurilinguismo se apresenta na prosa literária (o romance), Bakhtin, nessa primeira parte do texto, elege o romance do tipo humorístico (apresentando como representantes Henry Fielding, Laurence Sterne , Charles Dickens (ingleses), Theodor Von Hippel e Jean-Paul (alemães)) para analisar formas típicas e fundamentais de aparecimento do plurilinguismo no romance. Então mostra, a partir da análise de alguns trechos do romance Little Dorrit de Charles Dickens (1891), as maneiras como o autor manipula as vozes (forma dissimulada, forma aberta, motivada pseudo-objetivamente, construções híbridas etc.), onde se é possível perceber na composição sintática, por exemplo, dois tons, dois estilos, duas "linguagens", duas perspectivas semânticas e axiológicas distintas, sem, necessariamente, apresentar nenhuma fronteira formal que identifique a inserção de vozes no discurso. Inti pontua, a partir de sua experiência leitora de Dickens, como a ironia, o humor, a paródia, essas "outras vozes", esses outros tons, são bem marcantes e perceptívies no romance do autor inglês.
2. Introdução e utilização estilística do plurilinguismo
Nesse segundo momento do texto, o teórico russo salienta que a introdução das diversas "linguagens" com suas perspectivas socioideológico-verbais dá-se de forma impessoal "por parte do autor", mas que realizam a refração das suas intenções. Ou seja, tanto no objeto da narração quanto no narrador, o autor se realiza e realiza o seu ponto de vista, envolto de qualificação e sua tonalidade semântico-axiológica.
Luiz Rosalvo problematiza esse ponto, destacando a importância e a necessidade do domínio de dispositivos analíticos por parte do leitor/pesquisador para a percepção desses dois momentos da narração: o plano do narrador, com sua perspectiva expressiva e semântico-objetal, e o plano do autor que fala de modo refratado nessa narração. E é essa percepção do segundo plano que permite que se tenha a compreensão da obra como um todo. Sheila e Elise destacam também, a partir de exemplos da obra dostoievskianas, que a compreensão da obra e a percepção desse segundo plano só é possível se o leitor tiver conhecimento também do contexto sócio-histórico da época e das condições de produção do autor, bem como da visão de mundo vigente no período, entre outros elementos.
O discurso das personagens é a outra forma de introdução e organização do plurilinguismo no romance. Isso significa dizer que as refrações das intenções do autor também se dão pelas palavras dos personagens no romance que, embora possuam autonomia semântico-verbal e perspectiva própria, acabam por se tornar a segunda linguagem/voz do autor. Com isso, Bakhtin exemplifica, através de alguns exemplos das obras Pais e Filhos e Terra Virgem de Turguêniev, como o plurilinguismo social é introduzido tanto nos discursos diretos da personagens como no discurso do autor, ao redor dos personagens.
A terceira e última forma de utilização, considerada por Bakhtin como uma das formas mais importantes da introdução e organização do plurilinguismo no romance é a dos gêneros intercalados, referindo-se ao fato de ser possível introduzir, no romance, linguagens que estratificam a unidade linguística e aprofundam de modo novo a sua multiplicidade. Em outras palavras, qualquer outro gênero pode ser introduzido no romance, tanto literário quanto extraliterário (a exemplo de um poema, novela ou gênero científico, religioso), habitualmente conservando sua estrutura e sua autonomia e originalidade tanto estilística quanto linguística. No entanto, ressalta o estudioso, há gêneros que, ao serem introduzidos no romance como elemento estrutural, por sua força estilístico-composicional, acabam por determinar a estrutura do romance sem sua totalidade, como é o caso da confissão, do diário, a biografia, a carta, entre outros.
3. A bivocalidade do discurso literário
Finalizando o ensaio, em sua última parte, Bakhtin ratifica a ideia central da sua reflexão, afirmando que o plurilinguismo introduzido no romance é "o discurso de outrem na linguagem de outrem, que serve para refratar a expressão das intenções do autor" (p. 127), ou seja, trata-se de uma palavra bivocal, já que ela exprime a intenção direta da personagem que fala e a intenção semântico-axiológica refratada do autor. Dessa forma, a teoria bakhtiniana encara o discurso com uma bivocalidade que lhe é inerente, como se vê no discurso humorístico, irônico, paródico, dos gêneros intercalados. Trata-se de um discurso internamente dialogicizado, onde duas vozes coexistem e se cruzam multiformemente, correlacionando-se numa dialogicidade intrínseca característica, apoiando-se mutuamente, interiluminando-se, contrapondo-se parcial ou totalmente, parodiando-se, arremedando-se, polemizando velada ou explicitamente.
Arquétipo, estereótipo, padrão
Publicado em 21 de fevereiro de 2014 por Histórias Interativas
Desculpem a longa demora em escrever, estou com muito serviço e pouquíssimo tempo livre. Eu queria pesquisar antes de escrever, mas demorei tanto que o Rod nem deve se lembrar de que me pediu um post para clichês e estereótipos. Então vamos pela minha memória, pois extrapolando de um provérbio kung-fu: "antes feito que perfeito".
Brevemente:
Arquétipo é um termo derivado da teoria do psicanalista suíço Carl Jung que se utilizou de várias mitologias para entender o processo psicológico inconsciente dos seres humanos. Jung acreditava num inconsciente coletivo, compartilhado pela humanidade, onde estariam armazenados os arquétipos. Daí as similaridades, os padrões recorrentes nas várias lendas, mitos e religiões. Arquétipos então são essas idéias, conceitos comuns, evocações presentes em cada um de nós.
Uma outra maneira de trabalhar com os arquétipos é considerá-los como conceitos compartilhados, consciente ou inconscientemente, pelos membros de uma cultura.
Podemos considerar que os estereótipos são as "formas" dadas a esses conceitos. Por exemplo, para o arquétipo "mago" temos o estereótipo "velho sábio de longas barbas que usa um manto". Gandalf e Dumbledore são estereótipos de magos.
Clichê é um termo que como estereótipo se deriva da tipografia. Ele tem um alcance um pouco mais amplo que o estereótipo, apesar de se confundir com ele no que se refere a personagens, caso do mago acima. Clichês também são aplicados a narrativas. Por exemplo, triângulos amorosos são um elemento recorrente das novelas e filmes brasileiros. Assim com ter uma personagem prostituta. Podemos dizer que são clichês. Romances entre a moça pobre e o rapaz rico, ou vice-versa, também são clichês. Um cara bronzeado que gosta de praia e festa e não é muito chegado ao trabalho seria um clichê ou um estereótipo de "carioca".
Quando bem usados clichês e estereótipos são elementos facilmente reconhecíveis, dão algum chão, alguma sensação de conhecimento e conforto para o leitor/expectador, principalmente se o ambiente for inusitado, diferente - caso de histórias de terror, fantasia ou ficção científica.
O perigo ocorre quando os estereótipos começam a fazer com que as pessoas tomem por "naturais" coisas que são na verdade "culturais". Nesses casos, o chão vira areia movediça. Essa é a fonte de diversos preconceitos.
Lembremos que: um carioca pode ser trabalhador, um mago pode ser jovem, uma mulher pode ser policial, um homem heterosexual pode ser estilista e um homosexual pode ser fuzileiro naval, um paulista pode ser farrista, um jogador de futebol pode ser culto, um negro budista e um branco do candomblé e por aí vai.